Militarismo e restauração reacionária no Brasil

 

 

Luciana Aliaga (*)

 

 

Resumen

 

A hipótese que orienta o presente artigo consiste na interpretação da recente reemergência de movimentos e consensos antidemocráticos no Brasil como parte de uma restauração reacionária do militarismo, entendido como conjunto de ideias e como movimento político. Para isso buscamos evidenciar, a partir de levantamento de dados empíricos e pesquisa bibliográfica, a restauração da atuação direta das forças militares no aparelho burocrático de Estado, a difusão cultural de sua imagem como tutoras da democracia brasileira e a reivindicação de intervenção militar como instrumentos de mobilização popular na contemporaneidade.

 

 

Palabras clave: Brasil; Democracia; Intervenção militar; Restauração; Militarismo.

 

 

Militarism and reactionary restoration in Brazil

 

 

 

Abstract

 

The hypothesis that guides this article consists of interpreting the recent reemergence of anti-democratic movements and consensuses in Brazil as part of a reactionary restoration of militarism, understood as a set of ideas and as a political movement. For this, we seek to demonstrate, based on empirical data and bibliographical research, the restoration of the direct role of the military forces in the bureaucratic apparatus of the State, the cultural diffusion of their image as guardians of Brazilian democracy and the demand for military intervention as instruments of popular mobilization in contemporary age.

 

 

Key Words: Brazil; Democracy; Military intervention; Restoration; Militarism.

 


 Militarismo e restauração reacionária no Brasil

 

Introdução

 

A recente reemergência do conservadorismo antidemocrático no Brasil que se manifesta desde 2013, mas especialmente no período compreendido entre 2018 e 2022, anos referentes ao período eleitoral para presidência do país e depois ao governo de Jair Bolsonaro, é objeto de uma extensa bibliografia que tem apontado um conjunto de elementos fundamentais para a compreensão do fenômeno, entre os quais destacamos: a violência política e os nexos com o fascismo (cf. Boito Jr., 2021; Mazzeo, 2022; Secco, 2022), o fundamentalismo religioso e a mobilização de massas (Burity, 2018; Almeida, 2019; Fonseca, 2019, Gracino Jr., Silva, 2023), as redes sociais e o processo de desinformação (Santos e Santos, 2019), o rápido processo de desdemocratização (Tatagiba, 2021) e o papel dos militares na política brasileira (Barbosa et.al., 2018; Martins Filho, 2021; Couto, 2021; Passos, 2021; Schurster e Silva, 2021). 

No que se refere aos estudos que tratam do papel dos militares na política brasileira, tema que nos interessa diretamente aqui, parte da bibliografia tem abordado o problema a partir dos indivíduos e suas escolhas diante dos limites institucionais (ou ausência deles), assim como o impacto da recente militarização da política nas instituições democráticas brasileiras (cf. Couto, 2021; Passos, 2021). Encontram-se também estudos orientados pelas metodologias histórico-políticas e marxistas, que abordam as relações complexas entre as classes, grupos e atores sociais a partir da análise da história brasileira (cf. Barbosa et.al., 2018; Martins Filho, 2021, Schurster e Silva, 2021). De fato, diferentes metodologias são necessárias para apreender este fenômeno amplo, complexo e multifacetado. Diante disso, propomos contribuir para o desenvolvimento desse campo de estudos com a investigação do “militarismo”, entendido como um conjunto de intelectuais, ideias, práticas e movimentos orientados pelos valores e concepções militares, presentes na cultura política brasileira. Importante esclarecer, nesse sentido, que os “ismos” em geral são sufixos que indicam “movimento”, isto é, expressões como Iluminismo, pragmatismo, idealismo, por exemplo, foram cunhadas não apenas a partir do conjunto de ideias que lhe deram sustentação, mas também de um movimento intelectual que se desenvolveu a partir delas, dando origem a conceitos e ideologias, forjando teóricos, difusores e receptores dessas ideias (cf. D’Orsi, 1995, p. 46). É nessa perspectiva, portanto, que nos baseamos para definir o militarismo.

Nossa hipótese consiste na afirmação da recente reemergência de movimentos e consensos antidemocráticos no Brasil como uma restauração reacionária que traz em seu cerne, entre outros elementos, uma associação entre militarismo, ruralismo e fundamentalismo religioso.[1] No entanto, em virtude dos limites aqui impostos, nos concentraremos na análise do militarismo, em especial no resgate da imagem das Forças Armadas como tutoras da democracia brasileira e no seu intervencionismo como instrumentos de mobilização popular. A concepção de restauração reacionária foi desenvolvida a partir do conceito de revolução-restauração formulado por Antonio Gramsci, que define uma dialética histórica formada por períodos de “expansão” e de “coerção”. De acordo com o autor, todo processo histórico ativo de consolidação de uma nova direção política (um novo regime político) passa por um primeiro momento progressivo, hegemônico, mas, que aos poucos vai se esgotando. A classe dirigente cada vez mais precisa se valer da coerção para sustentar seu domínio, até o golpe de Estado (ou uma solução autoritária sem ruptura da ordem), que consiste em um movimento reacionário. O progresso histórico, assim, caminharia por meio de um movimento de expansão e regressão, emancipação e desemancipação, que o autor nomeou como dialética inovação-conservação ou revolução-restauração (cf. Gramsci, 2007, p.1219-1222).[2]  Atente-se para o fato que no léxico político gramsciano restauração consiste em uma expressão metafórica, que não indica o retorno completo à situação anterior, mas refere-se a “uma nova acomodação de forças” capaz de reabilitar politicamente elementos regressivos e latentes da cultura, que novamente tornam-se parte da direção política do Estado (cf. Masella, 2017).

De acordo com nossa hipótese, a atual fase de restauração foi aberta em 2013 com as grandes mobilizações de rua, aprofundada em 2016 com a deposição da ex-presidenta Dilma Rousseff e consolidada em 2018, com a eleição de Jair Bolsonaro.[3] Ela consiste no esgotamento do período de inovação instaurado após a ditadura militar, com a Constituição de 1988, que, a despeito da permanência de institutos autoritários,[4] inaugurou uma fase de abertura democrática e avanço da participação política no Brasil. O governo eleito em 2018 apoiou-se justamente nas forças acumuladas desde 2013, momento em que as grandes manifestações de rua evidenciaram uma grave crise política e aprofundaram tensões sociais latentes, permitindo a reorganização e afirmação dos movimentos de direita e de extrema-direita que deram sustentação popular à deposição de Rousseff e posteriormente à eleição de Bolsonaro. Essas manifestações traziam em seu bojo fortes acentos autoritários, que em grande medida retomaram as pautas antidemocráticas, especialmente, mas não exclusivamente, da ditadura militar.[5]

Dessa perspectiva, ainda que se possa admitir a existência de ideias e ações “fascistas” no Brasil recente, como parte expressiva da bibliografia tem apontado para explicar a reemergência do conservadorismo reacionário, isso somente é possível na medida em que se compreende que o pensamento fascista circulou no Brasil, especialmente a partir dos anos 1930, nacionalizando-se e tornando-se parte do arcabouço reacionário das direitas e, dessa forma, foi agregado e ao mesmo tempo profundamente reelaborado pelo pensamento e pela cultura nacional. Nesse sentido, nos aproximamos dos estudos que buscam explicação para o fenômeno em tela nas características da cultura política brasileira, a partir da qual os eventos recentes podem ser concebidos como “características históricas do modelo brasileiro” (cf. González; Baquero; Grohmann, 2021, p. 11), a despeito de se apresentarem sob novas roupagens no presente.

Nesse ponto se fazem necessários alguns esclarecimentos. O primeiro é que deve-se levar em conta que o pensamento político das Forças Armadas (doravante FFAA) não constitui um bloco homogêneo, pelo contrário, como procuraremos demonstrar, em suas fileiras se alinharam historicamente desde oficiais de cariz conservadora e muitas vezes abertamente reacionária, quanto orientações políticas democráticas e até mesmo comunistas (cf. Cunha, 2020). Esclarecemos, portanto, que o nosso interesse recai sobre o pensamento antidemocrático e intervencionista presentes no militarismo e sua expressão na atual reemergência do pensamento reacionário.

O segundo esclarecimento incide justamente sobre o que se entende por pensamento reacionário neste trabalho. Concebemos o pensamento reacionário como parte do patrimônio político e intelectual do amplo campo do conservadorismo, que se manifesta em maior ou menor medida de acordo com as relações sociais de forças nacionais e internacionais.[6] Dada a sua polissemia, tanto quanto as variações nacionais, no entanto, é mais correto falar em conservadorismos do que em conservadorismo no singular, como um “sistema de crenças que não se constitui em um conjunto de ideias específicas” (cf. González; Baquero; Grohmann, 2021, p. 13). Desse modo, o reacionarismo pode ser compreendido como uma das formas sob as quais o conservadorismo se concretiza, sendo caracterizado essencialmente por uma orientação anti-igualitária e antidemocrática. Empregamos aqui, portanto, o termo “reacionário” no sentido “mais restrito e corrente”:

 

são considerados reacionários aqueles comportamentos que visam inverter a tendência, em ato nas sociedades modernas, para uma democratização do poder político e um maior nivelamento de classe e de status, isto é, para aquilo que comumente é chamado de progresso social (cf. Bianchi, 1998, p. 1073).

 

A atual restauração reacionária: militarismo, ruralismo e fundamentalismo religioso 

 

Expressão importante da atual associação entre militarismo, ruralismo e fundamentalismo religioso encontra-se no Congresso Nacional formado a partir das últimas eleições de 2022. As frentes parlamentares agropecuária, de segurança pública e evangélica (também conhecidas como “BBB”, bancada do boi, da bala e da bíblia) vêm crescendo desde 2013, quando suas lideranças se inscreveram nas fileiras pela deposição de Rousseff. Atualmente a bancada da segurança pública representa 8,57% dos membros da Câmara federal e no Senado 2,5% do total. A bancada evangélica, por sua vez, equivale hoje a 20% da Câmara e 16% do Senado.[7] A bancada agropecuária é um dos maiores blocos no Congresso Nacional, conta atualmente com 47% dos deputados federais e 48% dos senadores.[8] Juntas somam 75,6% do total dos deputados federais e 66,5% do Senado. Considerando que frequentemente elas atuam de forma conjunta para aprovação de pautas conservadoras e não raro reacionárias, a considerar apenas pelo seu tamanho, têm potencial para aprovar todos os seus projetos e capacidade para interferir nos demais.

Na base dessa importante presença no Congresso Nacional pode-se perceber o crescente prestígio das forças de segurança pública e dos evangélicos na cultura brasileira, o que favorece sua efetiva inserção na política eleitoral. Recentemente o Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) publicou uma pesquisa com dados de 2.100 candidaturas[9] que mencionam patentes militares ou designações religiosas no “nome de urna” nas últimas eleições de 2022. A pesquisa investigou todas as inscrições que inseriram “sargento”, “cabo”, “bispo” ou “pastor” na frente no nome de urna. Sobre os militares[10] constatou-se que entre os 1.433 registros de candidatura que estão na categoria profissional “militares e forças de segurança”, 870 (60,71%) fazem alguma menção ao cargo no nome de urna, a maioria policiais militares (537 registros). Impressionante é que fora dessa categoria profissional (isto é, mesmo aqueles que não são militares de profissão), foram encontradas mais 489 candidaturas, totalizando 1.359 nomes de urna que fazem menção a termos militares, representando 4,8% do total de registros de candidaturas (27.958). Dessas 1.359 candidaturas, 1.023 são de direita (75,28%), 209 são de centro (15,38%) e 127 são de esquerda (9,39%).

            Com relação aos religiosos, entre os 112 registros de candidatura que estão na categoria profissional “religiosos”, 71 (63,39%) fazem alguma menção ao cargo no nome de urna, a maioria pastores (44 registros). Fora dessa categoria profissional, foram encontradas mais 681 candidaturas, totalizando 752 nomes de urna que fazem menção a alguma filiação religiosa, o que representa 2,96% do total de candidaturas (27.958). Dos termos mais frequentes, foram encontrados 472 pastores (62,77%), 94 irmãos e irmãs (12,5%) e 74 missionários (9,84%). Dessas 752 candidaturas, 511 são de direita (67,95%), 133 são de centro (17,69%) e 108 são de esquerda (14,36%).

            Diante do exposto, nos últimos anos, especialmente após a eleição de Bolsonaro, percebe-se um deslocamento na cultura brasileira (cujo conservadorismo já era um dado importante antes do período estudado[11]) no sentido da maior organização e afirmação política de grupos com capacidade de difundir valores reacionários, intolerantes, pró-armamento, contra as liberdades reprodutivas femininas, contra as liberdades das pessoas LGBTQIA+, antivacinas e anti-intelectuais, entre outros. Isso não significa que não haja contratendências e movimentos de oposição, ao contrário, a eleição de um presidente de oposição em 2022, ainda que com uma margem apertadíssima,[12] mostra o profundo conflito existente no país. Nosso interesse, no entanto, é aprofundar a análise sobre as forças que sustentaram a emergência e a permanência do governo Bolsonaro, que coroou e aprofundou as tendências de restauração reacionária no Brasil. Nesse sentido, emergem diferentes atores e grupos políticos conservadores de primeira ordem, entre os quais estão os militares, que passaremos a analisar.

 

O recente loteamento militar da alta burocracia de Estado

 

Durante o governo de Michel Temer (2016-2018), o dispositivo constitucional da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) foi utilizado para intervenção federal no Rio de Janeiro, entre fevereiro e dezembro de 2018, com enorme aporte de recursos financeiros. Nesse período recriou-se o Gabinete de Segurança Institucional (GSI, que fora extinto em 2015 por meio de reforma administrativa), cuja função consiste em assessoramento militar e de inteligência ao presidente da República em assuntos de segurança nacional, dando a ele maior status e infraestrutura. Temer também nomeou o general Joaquim Silva e Luna como ministro da Defesa, “rompendo com o histórico de civis comandando a pasta desde sua criação em 1999” (Passos, 2021, p. 223). Com efeito, justamente após a deposição da presidente Dilma Rousseff é que se observou um movimento mais expressivo de reaproximação entre os militares e a gestão pública que culminou com um verdadeiro loteamento do Estado a partir do início do governo Bolsonaro, em 2019. Em apenas um ano, o número de militares em cargos civis alcançou mais que o dobro do seu tamanho, com 6.157 militares no governo, proporção somente comparável ao período da ditadura civil-militar. A tabela abaixo, elaborada a partir de informações de 2020, extraídas do Tribunal de Contas da União, apresenta os dados de forma clara:

 

Tabela 1 - Militares exercendo funções civis na Administração Pública Federal

 

Situação

2016

2017

2018

2019

2020

Aumento

2016/2020

%

2016/2020

Militar – Cargo Comissão

1.965

1.946

1.934

2.324

2.643

678

34,5%

Militar Professor

197

157

63

174

179

-18

-9,14%

Militar Saúde

642

773

718

909

1.249

607

94,55%

Militar Contrato Temporário

32

23

16

23

37

5

15,63%

Militar – Conselho

-

-

-

-

8

8

-

Militar Serviço Público antes EC20

121*

121

34

85

72

-49

-40,5%

Militar ContratoTemp. INSS

-

-

-

-

1.969

1.969

-

TOTAL

2.957

3.020

2.765

3.515

6.157

3.200

102,22%

Fonte: Flávia de Holanda Schmidt, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 2022.

 

            Importante observar não apenas o elemento quantitativo, mas principalmente o qualitativo, isto é, não apenas o número de militares em cargos civis mais que dobrou durante o governo Bolsonaro, mas também isso ocorreu em cargos de alto escalão, onde encontram-se os ministros de Estado e Secretários-executivos dos ministérios. Conforme mostra o quadro abaixo:

 

 

 

 

 

 

 

Quadro 1: Evolução do número de militares em cargos civis 2013-2021.

.

Fonte: Flávia de Holanda Schmidt, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 2022.

 

            Percebe-se na imagem acima uma estabilidade no número de militares no alto escalão entre os anos de 2013 e 2018, no ano de 2019, no entanto, esse número dobra de tamanho. A tabela abaixo traz dados mais específicos mostrando que os índices maiores de crescimento ocorreram nos níveis administrativos 5 e 6, isto é, os postos com maior poder de decisão:

 

Tabela 2: Trajetória da presença de militares em cargos civis, por nível do cargo

Fonte: Flávia de Holanda Schmidt, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 2022.

 

Temos, portanto, diante de nossos olhos um quadro muito claro de administração militar em esferas estratégicas de um governo civil. Evidentemente isso impacta imediatamente na interdição da participação civil, reforçando as seculares tendências de independência e insubordinação militar, que fragilizam ainda mais a democracia brasileira.

 

A militarização da política brasileira e a constitucionalização da intervenção

           

Quando se revisita a história política brasileira, o protagonismo militar em momentos decisivos da vida nacional torna-se patente. Desde a proclamação da república, em 1889, por meio de um golpe militar liderado pelo marechal Deodoro da Fonseca (que em seguida se tornou presidente da Primeira República do Brasil, sendo sucedido por outro militar, o marechal Floriano Peixoto), passando por um novo golpe em 1930, que instaurou a ditadura do presidente Getúlio Vargas, com ativa participação dos militares no movimento que sustentou a sublevação e posteriormente no aparelho de Estado ditatorial sete anos depois, até o golpe civil-militar de 1964, que instaurou uma ditadura de larga duração no Brasil.

            Ademais, as FFAA no Brasil, em especial o Exército, sempre constituíram um organismo politizado, independente e insubordinado, alçando a si mesmo como “tutor da República” e propondo-se a intervenções salvadoras (cf. Reis, 2018). No passado, um dos períodos de maior evidência de sua atuação política (salvo a própria ditadura militar) foi a conhecida “era Vargas” (1930-1945), inaugurada e encerrada por golpes de Estado e com importante protagonismo militar. Nesse contexto, o impulso desenvolvimentista nacional se tornou forte elemento de organização e intervenção direta das FFAA na política. Isso ocorreu especificamente a partir de um “projeto de desenvolvimento nacional baseado na industrialização, no fortalecimento do Estado e na exclusão das massas populares das decisões políticas” (Silva, 2018, p. 100). 

No contexto do período entreguerras, diante do adensamento dos conflitos internacionais e da premente necessidade de dirimir a dependência externa de componentes tecnológicos, assim como a exigência de melhor aparelhamento das FFAA, a associação entre desenvolvimento tecnológico e estratégia militar ajustou-se perfeitamente às reformas estatais de teor autoritário de Vargas, que consolidaram a revolução passiva[13] brasileira. De fato, como sublinha Silva (2018, p. 72), 

 

Durante os quinze anos em que Vargas esteve no poder, levado por um movimento civil e militar, as Forças Armadas passaram por uma reestruturação fundamental que viabilizou o novo perfil da participação dos militares na política”.

 

 

Essa reestruturação foi marcada por dois fatores principais: i) aumento da coesão interna da corporação – reforçando o sentido do interesse corporativo à altura de resistir às determinações das facções políticas em conflito – e; ii) “estreita vinculação entre os objetivos estritamente militares e o processo de industrialização” (Silva, 2018, p. 72-73). A partir disso, as FFAA não apenas reforçaram, mas também legitimaram publicamente seu posicionamento político no Estado, em especial sobre a política econômica. Esses foram, de fato, os objetivos do general Góis Monteiro, militar que esteve à frente do golpe que instituiu o Estado Novo em 1937 e que, em síntese, se dedicou a “transformar as Forças Armadas [num] ‘órgão essencialmente político’, num instrumento de uma doutrina global de defesa nacional” (Silva, 2018, p. 73). A politização e independência dos militares, com efeito, fragilizou o governo Vargas, que concretamente nunca se alçou a comandante das FFAA, redundando na sempre presente vulnerabilidade a um golpe militar, que ocorreu efetivamente em 1945 e que o depôs (cf. Silva, 2018, p. 79).

Não se deve supor, no entanto, que a corporação constitua um todo homogêneo e indiferenciado ideologicamente, ao contrário, em seu interior encontravam-se desde forças aliadas ao integralismo (a versão brasileira do fascismo) e ao nazismo, passando pelos autoritários, até chegar nas correntes democráticas e comunistas (cf. Cunha, 2020). É claro que essas últimas em proporções ínfimas, dado que um dos poucos elementos de unidade das demais frações era justamente o anticomunismo, “identificando ‘comunismo’ em variados graus de esquerdismo e até mesmo no nacionalismo radical” (Silva, 2018, p. 87).

 Por outro lado, o que unificava os autoritários era o repúdio à reforma agrária, ao anti-imperialismo e ao trabalhismo (cf. Silva, 2018). Esse cenário consolidou-se entre os anos de 1950 e 1960, quando explodiram as lutas populares na América latina e se aprofundou a polarização ideológica da Guerra Fria, tornando evidente “a oposição entre o nacionalismo de esquerda e o liberalismo pró-estadunidense de direita” (Silva, 2018, p. 80), em grande medida ainda presentes no interior das FFAA atualmente.

Importante ressaltar, portanto, que a politização, autonomia e insubordinação das FFAA no Brasil não é uma mera idiossincrasia manifestada episodicamente, ao contrário, essa é uma das suas características basilares, consolidada nas Constituições Federais, ausente apenas nas Constituições de 1924 (Império) e na de 1937 (Estado Novo), ambas outorgadas (cf. Carvalho, 2020). Note-se, portanto, que todas as Constituições aprovadas por meio de processos constituintes mantiveram em algum de seus artigos a perspectiva das FFAA como garantidoras da lei e da ordem. Em 1891, a Constituição determinava em seu artigo 14º que 

 

As forças de terra e mar são instituições nacionais permanentes, destinadas à defesa da Pátria no exterior e à manutenção das leis no interior. A força armada é essencialmente obediente, dentro dos limites da lei, aos seus superiores hierárquicos e obrigada a sustentar as instituições constitucionais (REPUBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, 1891, grifos nossos).

 

           

Atribuir às FFAA a “manutenção das leis no interior” é literalmente incluir a função de polícia, de garantidora da ordem pública, entre suas funções ordinárias. Por outro lado, o aposto “dentro dos limites da lei” conferia às FFAA tanto a capacidade interpretativa da lei quanto a autonomia para agir em desobediências aos seus superiores hierárquicos, a depender de sua interpretação. Na Constituição de 1934, o art.º 159 manteve as FFAA como garantidoras dos poderes constitucionais, da lei e da ordem. Em 1946, o texto constitucional em seus arts. 176 e 177, postulava o seguinte:

 

As forças armadas, constituídas essencialmente pelo Exército, marinha e Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e dentro dos limites da lei. Destinam-se as forças armadas a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem (REPUBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, 1946, grifos nossos).

 

Mais uma vez, ao atribuir aos militares a possibilidade de avaliar a legalidade das ações do chefe do Executivo, consagra-se o seu papel de fiadores da ordem, servindo de justificativa para o golpe de 1964 contra o perigo comunista. A Constituição de 1967, feita durante a ditadura civil-militar, evidentemente aprofundou o problema e, desse modo, as FFAA consolidaram-se como tutoras da República, com poderes políticos e policiais na garantia da lei e da ordem, com autonomia para interpretação da lei e para desobediência ao superior hierárquico. Mesmo na Constituição de 1988, a chamada “Constituição cidadã”, que inaugurou um período de abertura democrática, o problema permaneceu na medida em que o art. 142 garante a possibilidade de intervenção militar desde que requerida pelo chefe do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, para a “garantia da lei e da ordem” (GLO).

O projeto de abertura política (1979-1988) formulado pelos próprios militares liderados pelos generais Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva, ainda que “limitado e autoritário” não foi de fato aceito unanimemente pelos oficiais mais conservadores e antidemocráticos em função de uma avaliação de que era pouco rigoroso com os “comunistas” (cf. Schurster e Silva, 2021). O art. 142, assim, refletia a persistência e a capacidade de influência das camadas mais reacionárias das FFAA, insatisfeitas com a ampliação de direitos e liberdades imposta pelas mobilizações populares num projeto que já era considerado insuficiente. De todo modo, todo o processo de transição democrática ocorreu sob a tutela dos militares, haja vista a aprovação do decreto de anistia de 1979 (Lei no 6.683, de 28 de agosto de 1979), que perdoou assassinatos e torturas, assim como a derrota do movimento “Diretas Já”. Essa transição tutelada, com efeito, deu origem a um regime democrático tutelado (cf. Schurster e Silva, 2021).

 

A intervenção como instrumento de mobilização popular

 

Nesse processo histórico, a intervenção militar na política manteve-se gravada nas Constituições Federais do Brasil, apresentando-se como se fosse compatível com a democracia, antes, as FFAA consolidaram-se no pensamento reacionário como tutoras da democracia. Desse modo, a perspectiva de uma solução rápida e efetiva para a crise política brasileira encontrou no governo Bolsonaro e no militarismo a responsividade necessária para que a população centrasse seu ativismo nas redes sociais e nas ruas nas reivindicações por uma intervenção militar com Bolsonaro no poder, fechamento do Congresso Nacional e decretando um novo Ato Institucional n.º 5, “a mais draconiana medida tomada pela ditadura militar” (Couto, 2021, p. 45). 

Esse movimento antidemocrático desembocou, após o resultado das eleições, nos bloqueios de estradas[14] e na instalação de acampamentos em frente aos quartéis militares em diferentes estados da federação como forma de reivindicação aos militares para que utilizassem o dispositivo constitucional do art. 142 e operassem uma intervenção. Por isso, pediam a manifestação das FFAA sobre o resultado eleitoral que deu a vitória a Luiz Inácio Lula da Silva, candidato de oposição à Jair Bolsonaro.[15] No entanto, o ápice dessa trajetória foi a invasão dos prédios dos três poderes na capital do Brasil, no dia 08 de janeiro de 2023, por uma multidão descontrolada, coberta por bandeiras do Brasil, quebrando objetos de arte, móveis, janelas e portas, destruindo documentos e pedindo intervenção militar. Sobre esse último evento, o Manchetômetro[16] produziu um relatório especial a partir das publicações da rede social Facebook feitas entre os dias 06 e 10 de janeiro.[17] De acordo com o relatório, a

 

 movimentação nas redes [ocorreu] em torno do tema dos acampamentos e da mobilização dos apoiadores de Jair Bolsonaro já nos dias 6 e 7 de janeiro, com mais de 5,6 mil posts nesses dias. Durante o dia 8 de janeiro, foram registradas 19,3 mil publicações. Entretanto, o maior volume de publicações se deu no dia seguinte, 9 de janeiro. Assim, a repercussão do evento foi o que mais movimentou a rede. 

           

Como esperado, durante esse período, a página que apresentou mais interações foi a do ex-presidente Jair Bolsonaro e em segundo lugar, as páginas vinculadas ao bolsonarismo. Com relação aos termos de maior destaque, encontramos: militar (2.613 menções), polícia (1.405), presidente (1.386), Lula (1.099), arma (1.060), guerra (1.042), ministro (940), fogo (790), ato (779), acampamento (723), Bolsonaro (712), povo (705), federal (699), manifestante (694), ataque (685), bolsonarista (594), prisão (590), democracia (518), golpe (474), crime (474), Moraes (464), Exército (440) e Brasília (405). Como fica mais visível na nuvem abaixo:

 

Fonte: Manchetômetro, Relatório Especial de Fevereiro de 2023.

 

Como se vê, entre os elementos de mobilização no momento mais acirrado de luta político-ideológica da extrema direita, aquele que mais se destaca é o militarismo, que concentra um conjunto de ideias em torno da necessidade de uma solução rápida para o que se julgava um crime, que era o resultado eleitoral desfavorável à Bolsonaro. Nessas condições, ser brasileiro, nacionalista e até mesmo, democrático, passava a exigir o engajamento pela intervenção militar, salvadora da democracia no país.

 

À guisa de conclusão

 

Diante do exposto podemos avançar na seguinte conclusão: a restauração reacionária no Brasil tem no militarismo um dos seus fundamentos mais estáveis e resistentes. Militarismo que, no entanto, reemergiu do seu substrato institucional próprio, submisso ao Executivo, no qual, bem ou mal, permanecera desde o final da década de 1980 até as primeiras décadas do séc. XXI, voltando à cena política imediata de modo mais concreto por meio do governo Bolsonaro. Isso ocorreu através de dois canais principais: do aparelho administrativo de Estado e da cultura nacional, por meio da recuperação e difusão no seio das massas populares da imagem das Forças Armadas como tutoras da democracia e salvadoras da ordem contra o inimigo comum: as esquerdas, o comunismo. 

Destarte, o governo Bolsonaro permitiu, por um lado, o retorno dos militares ao governo do Estado, fortalecendo e reavivando todas as suas seculares tendências autocráticas e reacionárias, avessas ao elemento popular na política, reabilitando a memória da ditadura e de ditadores sanguinários como o celebrado coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, conhecido pela crueldade e sadismo durante as longas sessões de tortura no período ditatorial no Brasil[18].  Nesse revisionismo histórico completamente desprovido de bases verídicas, a ditadura passou a ser uma “revolução” salvadora que socorreu o Brasil diante da ameaça de ambiciosos e corruptos comunistas. Lembrando sempre que, como dissemos acima, para os autoritários são comunistas todos aqueles que defendem as liberdades individuais e os direitos trabalhistas, a participação popular, o anti-imperialismo e a reforma agrária. Nesse bojo são lançados todos os partidos da esquerda democrática como o Partido dos Trabalhadores (PT) e os socialistas, mas também os movimentos pelas liberdades LGBTQIA+, feministas, movimentos em prol do aborto e das liberdades reprodutivas, antirracistas, de moradias, ambientalistas e, principalmente, movimentos pela reforma agrária, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).

Por outro lado, inaugurou-se uma guerrilha popular a partir da disseminação desses valores reacionários, reforçando a ideia de que a ordem precisaria ser salva novamente do mesmo comunismo que assola o Brasil há décadas. Desde a campanha eleitoral, Bolsonaro, por meio de suas redes sociais, alimentadas quotidianamente, adotou a prática de incitar o reacionarismo na população, não apenas reforçando os valores conservadores e antidemocráticos, mas convocando a uma verdadeira guerra armada contra o inimigo comum, o que já fez vítimas fatais no Brasil.[19] Ao insuflar a população à guerrilha, conseguiu arregimentar uma força popular não desprezível, que lhe garantiu larga margem de votos em 2018 e em 2022, apesar de não ter vencido essa última eleição. Isso conferiu apoio político suficiente para que ele se equiparasse a Donald Trump, ex-presidente de extrema-direita dos EUA, como um dos principais líderes internacionais dos extremistas de direita.

Na política nacional, por outro lado, seus fortes acentos autoritários foram retroalimentados por sustentáculos civis, que retomam pautas antidemocráticas de 1964. Nesse cenário ganham espaço e aceitação pública diversos discursos violentos, grupos e atores que defendem a intervenção militar.[20]  No último quadriênio a quotidiana guerrilha virtual nas redes sociais divulgou notícias falsas sobre o risco das vacinas contra Covid-19, contra as universidades e a liberdade de pensamento, contra as religiões afro-brasileiras, mensagens homofóbicas e misóginas, que no conjunto mostrariam que o “marxismo cultural” estaria assolando a família brasileira e deturpando os valores cristãos. A única saída seria, portanto, apelar para o artigo 142 da Constituição, que nessa particular interpretação seria uma forma legal e legítima de instaurar a intervenção militar.

Foi particularmente esse raciocínio que levou milhares de militantes de direita em todo o Brasil a montar acampamentos na frente dos quartéis do Exército após a derrota de Bolsonaro nas urnas, mergulhando o país em profunda desordem com o intuito de justificar a instauração da intervenção militar para Garantia da Lei e da Ordem (GLO). O ápice dessas ações foi a invasão da capital federal e a depredação das sedes dos três poderes no dia 08 de janeiro de 2023. A ação, no entanto, causou efeito contrário na medida em que justificou uma contundente reação por parte do novo governo e do Supremo Tribunal Federal, que além determinar mais de mil prisões, também exigiu o desmonte dos chamados “acampamentos golpistas”.

Desde então, o novo governo trabalha para reinstaurar a sensação de normalidade no país, que ainda se ressente da devastação causada pelo governo Bolsonaro. Não é possível ainda avaliar a capacidade de reorganização e retomada da ofensiva bolsonarista. Sabe-se, no entanto, que a insubordinação e independência militar, que se julga poder moderador e tutor da democracia, persiste dando mostras de que os últimos eventos têm suas fortes raízes bem fincadas na cultura autoritária brasileira e que o militarismo permanece como um dos seus principais bastiões.

 

 

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Recepción: 13/03/2023

Evaluado: 02/05/2023

Versión Final: 09/06/2023



(*)Professora do departamento de Ciências Sociais e do Programa de pós-graduação em Ciência Política e relações internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB/ Brasil). Membro da International Gramsci Society – Brasil (IGS-BR) e do comitê editorial da Revista Crítica Marxista. lualiagaa@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7842-715X.

 

[1] Compreendemos militarismo, ruralismo e fundamentalismo religioso como matrizes articuladas do pensamento conservador antidemocrático no Brasil. Entendemos por “ruralismo” o heterogêneo e complexo movimento político, que se expressa por meio de ideologias conservadoras e/ou reacionárias, que percebe a grande propriedade de terra e o agronegócio como fundamentos perenes da economia brasileira. Em decorrência, se opõem à reforma agrária e aos movimentos de trabalhadores sem-terra, assim como são contrários à demarcação de terras indígenas e aos movimentos ambientalistas contrários ao desmatamento da Amazônia. O fundamentalismo religioso é apreendido no sentido mais comum e corrente como apego aos fundamentos, entendidos como “os   conteúdos   de   fé,  verdades   absolutas   e intocáveis,  que  deveriam  ficar  imunes  à  ciência  e  à  relativização por meio do método histórico” (DREHER, 2006, p. 82-83), que no Brasil recente foi incorporado pelos evangélicos, especialmente de orientação pentecostal e neopentecostal, que estão na base dos movimentos antidemocráticos.

[2] Para uma análise mais detida do conceito ver Aliaga, 2022.

[3] Para maiores informações sobre os conflitos sociais do período compreendido entre 2013 e 2018 consultar Anderson (2020); Miguel (2019) e Solano, Ortellado e Moretto (2017).

[4] Referimo-nos substancialmente ao art. 142 da Constituição Federal, trataremos o tema com detalhes mais à frente.

[5] Sobre esse tema consultar Rocha (2019).

[6] Sobre a relação entre conservadorismo e reacionarismo conferir Cêpeda, 2018.

[7] Consultar: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/10/bancada-evangelica-nao-cresce-como-esperado-e-deve-ser-20-da-camara.shtml

[8] Consultar: https://www.novacana.com/n/etanol/politica/bancada-ruralista-perde-nomes-peso-congresso-potencial-agregar-novos-041022

[9] Num universo de 27.958 candidaturas registradas e consideradas aptas até o dia 15/08/2022 (data definida como limite pelo TSE para o registro de candidaturas). A pesquisa está disponível no site https://www.inesc.org.br.

[10] Militares ou de Forças de Segurança, são autorizados pela Lei Eleitoral a concorrer por cargos eletivos.

[11] Sobre isso ver Schwartzman (2007); Moisés (2008).

[12] O candidato do Partido dos Trabalhadores-PT, Luiz Inácio Lula da Silva, recebeu um total de 50,90% dos votos, enquanto o candidato Jair Bolsonaro (Partido Liberal-PL) recebeu 49,10% dos votos válidos. Conferir https://resultados.tse.jus.br/oficial/app/index.html#/eleicao/resultados.

[13] Está consolidada na bibliografia especializada na área dos estudos gramscianos a leitura da formação do Estado Brasileiro por um processo de revolução passiva (cf. Burity,1988; Coutinho e Nogueira, 1988, Vianna, 2004; Coutinho, 2011; Del Roio, 2012; 2018), isto é, a partir de um longo período de reformas modernizantes em sentido capitalista, presidido pelas elites dirigentes do Estado, processo também chamado no Brasil de “modernização conservadora” (cf. Nogueira, 1988).

[14] Conferir, por exemplo, https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2022/12/12/bolsonaristas-radicais-depredam-carros-em-frente-ao-predio-da-policia-federal-no-df.ghtml

[15] Conferir, entre outros, https://www.poder360.com.br/eleicoes/manifestantes-pedem-intervencao-federal-em-frente-a-quarteis/

[16] O Manchetômetro é um site de acompanhamento da cobertura da grande mídia sobre temas de economia e política produzido pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP). O LEMEP tem registro no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e é sediado no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O Manchetômetro não tem filiação com partidos ou grupos econômicos” (http://manchetometro.com.br/quem-somos/).

[17] O “Relatório especial 8 de Janeiro” pode ser baixado no site http://manchetometro.com.br.

[18] Sobre isso, ver https://www.brasildefato.com.br/2018/10/17/conheca-a-historia-sombria-do-coronel-ustra-torturador-e-idolo-de-bolsonaro

[19] Ver, por exemplo, https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2022/07/militante-e-assassinado-durante-aniversario-com-tema-de-pt-e-partido-acusa-violencia-bolsonarista.ghtml

[20] Conferir, entre outros, “Protesto 'contra o comunismo' na UnB acaba em ato 'contra fascismo' e tumulto” – disponível em https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/10/unb-reforca-seguranca-e-pede-apoio-da-pf-e-agu-apos-anuncio-de-protestos.shtml; Brasil registra uma morte por homofobia a cada 23 horas, aponta entidade LGBT – disponível em https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/05/17/brasil-registra-uma-morte-por-homofobia-a-cada-23-horas-aponta-entidade-lgbt.ghtml. Bolsonaro faz incitação à violência que não cabe a um candidato à presidência – disponível em https://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/208065/bolsonaro-faz-incitacao-violencia-que-nao-cabe-um-.htm. Manifestantes ocupam a Esplanada dos Ministérios pedindo volta ditadura militar – disponível em https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/05/manifestantes-ocupam-a-esplanada-dos-ministerios-na-tarde-desta-segunda.shtml; Sobre o financiamento de manifestações antidemocráticas por bolsonaristas conferir https://brasil.elpais.com/brasil/2020-04-21/stf-mira-empresarios-e-deputados-bolsonaristas-que-patrocinaram-e-organizaram-ato-pro-intervencao.html; https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/04/24/moraes-investiga-mensagens-de-deputados-suspeitos-de-atos-pro-ai-5.ghtml; https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,apos-stf-autorizar-inquerito-sobre-atos-deputado-bolsonarista-diz-que-corte-e-comunista,70003278508. Consultados em 16/06/20.